Mesmo fazendo tripla jornada a mulher brasileira não consegue se aposentar por tempo de contribuição. Os dados revelam que as mulheres lideram o ranking das aposentadorias por idade e também do Benefício de Prestação Continuada, benefício assistencial no valor de um salário-mínimo pago pelo INSS para quem não tem renda proveniente de seu trabalho, nem família para prover o seu sustento, dentre outros requisitos, como idade mínima de 65 anos ou ser portadora de algum tipo de deficiência.
Atualmente é por meio do Cadastro Único que o Governo Federal sabe quem são e como vivem as famílias de baixa renda no Brasil. O cadastro é operacionalizado e atualizado pelas prefeituras de forma gratuita. Ao se inscrever ou atualizar o Cadastro Único, o cidadão de baixa renda poderá ter acesso a vários programas sociais.
Os dados do INSS revelam essa triste realidade, pois além do tratamento discriminatório enfrentado no mercado em razão do gênero, no momento de usufruir de uma velhice digna as mulheres não conseguem alcançar os requisitos para aposentar-se com valores melhores, quando conseguem a aposentadoria, na maioria das vezes é por idade conjugada com a carência mínima de 15 (quinze) anos de contribuição.
Isso se deve ao fato de que a mulher interrompe mais cedo o emprego formal para cuidar dos filhos e de membros da família, muitas vezes sujeitando-se a trabalhos precários para estar presente em todos os espaços sociais (casa - trabalho - família).
Mulheres Negras
Se restringirmos esse olhar às mulheres negras, os dados são ainda mais alarmantes. O PNAD[1] aponta que a cada três pessoas que não tem trabalho formal remunerado, porque precisam se dedicar aos afazeres domésticos ou tarefas de cuidados, duas são mulheres negras.
Para mulheres pobres e negras, vítimas do racismo estrutural[2], a disputa por uma vaga no mercado de trabalho, quando comparada com mulheres brancas e ricas é muito desigual. A Lei de Cotas para o ensino público federal, Lei nº 12.711/2012, com redação dada pela Lei 13.409/2016, declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, visa a diminuir a desigualdade social entre pobres e ricos e brancos e negros, garantindo o acesso às universidades e cursos técnicos, por pessoas autodeclaradas pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, porém passados dez anos de sua promulgação ainda há muita desigualdade entre negras e brancas no preenchimento de vagas disponíveis no mercado de trabalho nas empresas públicas e privadas.
Enquanto na Noruega todas as empresas nacionais reservam 40% dos assentos em conselhos de administração para mulheres, no Brasil, tramita no Senado, o Projeto de Lei 112, desde 2010, com o mesmo objeto, e na Câmara dos Deputados, mais recentemente, o Projeto de Lei 7.881/2017, pretende incluir § 6º, na Lei das Estatais (Lei 13.303/2016), a fim de garantir 30% de assentos de mulheres nos Conselhos de Administração e Fiscal.
A realidade de mulheres pobres e negras no Brasil é muito dura. Ainda crianças, já estão trabalhando em casa, cuidando dos irmãos menores. Mais tarde, abandonam a escola para trabalhar em casas de família, como empregadas domésticas que só passaram a ter direitos iguais aos demais trabalhadores urbanos e rurais, com o advento da Emenda Constitucional 72/2012, como a jornada de trabalho de 8 horas diárias de trabalho, totalizando 44 horas semanais, horas extras e adicional noturno.
A última reforma previdenciária, ocorrida em novembro de 2019, colocou fim à aposentadoria por tempo de contribuição, sem requisito etário, trazendo em seu lugar a conjugação do requisito idade mínima com tempo de contribuição. Fato que agravou ainda mais esse difícil caminho, a idade mínima para mulher saltou de sessenta para sessenta e dois anos, tornando o sonho da aposentadoria ainda mais distante para esse grupo já penalizado. A mudança que subsiste desde o fim de 2019, com algumas regras de transição, foi feita apenas sob a ótica numérica fiscal, sem se preocupar com a realidade da mulher brasileira.
É certo que tivemos avanços, inclusive no Poder Legislativo, com o aumento da representatividade feminina no Congresso Nacional, devida especialmente às cotas mínimas de preenchimento dos cargos com 30% de mulheres, mas a desproporção ainda é grande e a necessidade de discutir o tema e pensar nas políticas públicas de enfrentamento se faz emergencial.
Faltam investimentos em educação e formas capazes de assegurar a presença de meninas nas escolas técnicas e cursos de nível superior, a fim de melhorar toda a cadeia que se desenvolve a partir de uma melhor formação educacional e cultural. Há medidas simples que poderiam trazer a curto prazo resultados, como a disponibilização de creches e escolas em tempo integral, oferta de restaurantes comunitários de baixo custo para estudantes e mães, local adequado para receber idosos, dentre outras, o que facilitaria o acesso dessas mulheres ao mercado formal de trabalho.
Mais do que comemorar e homenagear as mulheres, nesse dia internacional é preciso espaço para debater verdadeiramente as propostas e caminhos para desejada igualdade de gênero no campo dos direitos sociais.
Marta Gueller e Vanessa Vidutto
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[1] Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
[2] Para Silvio Almeida "a mudança da sociedade não se faz apenas com denúncias ou com o repúdio moral do racismo: depende, antes de tudo, da tomada de posturas e da adoção de práticas antirracistas." (Racismo Estrutural, São Paulo, ed. Pólen, 2019, p. 52).
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